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quinta-feira, 5 de maio de 2011

Amo aquela terça, aquela terça é ela.



Era uma das terças-feiras que a gente costumava passar jogando conversa fora no Bar do Beco. Só que nesse dia o assunto nem era tão lixo assim. Ela estava usando uma saia azul que eu nunca tinha visto, suas coxas grossas eram lindas. Por que ela só usava calça jeans?

- ... e eu não sei mais o que fazer, entende?

Voltei de súbito para a conversa, esquivando-me de suas silhuetas. Sobre o que ela estava falando? Procurei em seus olhos. A dor instalada. Ah, sim, falava dele.
- Entendo. Já pensou em esquecer ele?
- Já, claro que já. Penso nisso toda hora. Mas não dá, eu gosto dele... não deveria, mas gosto. Já tô de saco cheio disso tudo.

Ela deu uma pausa para um gole de café. Odiava o fato de ela amar café e começar a falar dos problemas pessoais como um papagaio. Por que as mulheres acham que só porque estão sofrendo precisam sair contando a todo mundo? O café deixa ela mais agitada e passional, e aí fico mais irritado ainda. Ela não se preocupava se estivesse muito quente, e sempre reagia da mesma forma gritando um ‘ai’ e assoprando a própria língua. Eu sempre ria.

           
- Eu percebi que eu gostava dele num dia quando a gente tava andando no parque que tem perto de casa. Por algum motivo bobo a gente acabou discutindo... acho que estávamos falando sobre política e – ela deu um riso de lembrança – eu disse que ia embora. E fui. Cheguei em casa ele tinha deixado uma mensagem no meu telefone. Sabe o que era?
          
 - Hã? – Perguntei entediado. Ao mesmo tempo, queria saber o que o cretino tinha dito pra conquistá-la.
          
 - “Você fica linda irritada. Vem aqui em casa amanhã, não é um pedido”.
           
- Parece que elogiar sempre funciona com as mulheres, não é mesmo?
           
- Não! Mas não foi a parte do linda que me chamou atenção. Na verdade, a segunda parte. Eu nunca conseguiria não estar na casa dele no dia seguinte.           

                      
Agora sim era meu fim. Ela gosta de homens que mandam nela, eu, ao contrário, sou um completo babaca. Sou paciente, tolerante, generoso, bem-humorado... aquela pior espécie de homem que cai na maior armadilha no quesito relações com as mulheres: sou amigo. E ela consegue ser tão burra a ponto de achar que sou mesmo amigo dela, assim, de graça. Bem que meu pai dizia: “Mulheres? Só as tenha por perto se elas frequentarem todos os lugares que você frequenta, inclusive sua cama”. Ele estava certo. Talvez se eu fosse mais rude, menos frouxo, talvez se eu deixasse minha barba levemente por fazer ao invés de ora estar com a cara limpinha e ora deixá-la com um amontoado de pêlos, eu não sei, quem sabe elas veriam algo de notável. Eu deveria ignorar a Bebel, falar como machista no meio dos meus amigos quando ela estivesse presente, em vez de tentar defendê-la. Tinha que parar de responder às mensagens chatas que ela me mandava para o celular, parar de insistir em ajudar a carregar a mochila, a pagar os cafezinhos das terças-feiras. O problema era esse... eu dei à Bebel a chance de ter um homem sem ela nem precisar conquistar.       


Voltei de meus pensamentos e vi que o clima tinha mudado. Será que ainda estávamos conversando? Provavelmente sim, se não ela já teria me chamado atenção como sempre faz com aquele jeito autoritário. Mas o que será que devo ter falado? Não lembro. Mas ali, naquele instante, pela primeira vez percebi que ela realmente gostava do cara. Ela tinha olhos de quem gostava de alguém que não gostava dela. Eu a abracei, bem forte. Claro que foi bom sentir o corpo dela no meu e, não pense que sou um tarado, de início minha intenção foi essa mesmo. Mas depois, depois eu esqueci que os seios dela roçavam no meu peito, esqueci que ela era perfeita, esqueci que ela era a Bebel. Senti parte da minha camisa molhada. A apertei mais ainda em mim.


- Bebel, por favor, não chora... quando você faz isso eu...
Ela engoliu o choro e respondeu em voz trêmula.
- Mas você não sabe como é a sensação de ouvir da boca de quem você gosta dizer que está apaixonado por outra pessoa. 
- Acabei de saber.



Priscilla Acioly, 05/05/2011

11 comentários:

  1. Pri...
    Dos poemas, para as crônicas, para os contos... Gosto de te ver arriscar novos gêneros. Fica uma dica, não sei se te serve: nós brasileiros temos um hábito excessivo de marcar os pronomes pessoais do caso reto. Na literatura, acho que é um bom espaço para omiti-los mais que na linguagem oral. Beijão!

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  2. Achei muito bonitinho, mesmo. Da uma sensação de quero mais. Você sabe que tudo que escreve é brilhante. Continue escrevendo coisas legais assim.
    Beijos

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  3. Uau, dona Priscilla. Já imaginava esse talento, agora acabo de comprovar.
    Parabéns, espero um dia ler um livro seu, rs.
    Beijos

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  4. Cara, simplesmente PERFEITO !
    Dos seus textos que eu já li, esse foi o que eu mais gostei.
    É o que eu gosto de ler e tento escrever: situações cotidianas que quando vivenciamos não damos o devido crédito. Uma situação bela pela sua simplicidade e espontaneidade. Perfeito !
    Parabéns !!!

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  5. Eu sempre adorei contos. Os finais inesperados, o espaço pequeno pequeno, as poucas pessoas. Tudo bem fácil de se digerir e imaginar. Mas o que sempre amei nos contos é a maldita sensação de: Puta que pario ACABOU. Bem nesse aqui, mesmo estando muito cansada leria ainda muuuito mais.

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  6. É legal, mas é muito feminino.
    Um homem nunca pensaria tão profundamente nessa situação.

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  7. Seus contos são simplesmente fascinantes, Pri...
    Mas eu acho que o ALN Fernandes tem razão.. HAHA
    Eu nunca soube, na verdade, como um autor consegue se desvincular do eu-lírico...
    Se eu fosse escritora, a minha voz do texto seria SEMPRE a MINHA voz.. rsrs

    Enfim. Parabéns.
    Ainda sou sua fã.

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  8. poxa eu achei bem maneiro. bem romatico e tals, n faz mt meu tipo e acho q vc tbm n é tao doce (rs), mas ficou mt legal! Por mais q realmente eu nunca tenha visto algum homem agir assim, acho q o legal de escrever é esse. Situações impossíveis. Verossimilhança externa 0. Vc n precisa se prender ao q é comum de acontecer. E qnt ao eu-lírico se desprender do autor, pode realmente ser dificil, mas mt divertido. podemos pegar chico boarque como exemplo. bjaao! (espero n ter ffalado nenhuma besteira)

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  9. Uau! Tiro meu chapéu pra você! E discordo dos que dizem que é muito feminino. Conheço rapazes um tanto mais sentimentalistas do que esse aí. Pra mim, ele é o cara ideal.

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