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sábado, 4 de fevereiro de 2012

Cozinha


Acordei com o sol estalando em minha testa, encontrei um bilhete em cima da mesa de cabeceira.

Oi, meu amor. Nesse momento você está sabe-se lá Deus onde. Cheguei do trabalho e a cozinha estava de pernas pro ar. Sei que esse é o estado natural dela, mas quando digo de pernas pro ar, quero dizer que realmente estava uma puta de uma desordem. Não tem mais nada dentro da geladeira, toda comida estava misturada em uma massa fedorenta pelo chão, pela mesa, pelo balcão e paredes. Há tempos venho percebendo a sujeira que anda isso aqui, o meu esforço em, sozinho, levar o lixo para fora. Não ache que é uma decisão precipitada ou mal pensada. Fui embora.


Com amor,
João.




Priscilla Acioly
Escrito em 05/02/2012

sábado, 2 de julho de 2011

Perdida



Quando saí de casa, decidi três coises firmemente: Não voltaria pra casa, não deixaria que pagassem minha comida e nunca passaria um dia com mais de 10 reais no bolso. No começo, devo admitir, foi mais fácil que pensei. Torrei todo o dinheiro que tinha até chegar a dez paus. Doei para instituições de caridade, mas sem motivos de caridade - até porque foi pouca quantia, só era o primeiro lugar e a primeira chance de me livrar do dinheiro. Pagava gordos valores a esses cantores vagabundos das ruas... comprei quadros artesanais também de hippies que ganhavam a vida vendendo pra gente que pouco se lixava pro trabalho árduo de pintar interior de garrafas com areia. Bom, eu admirava a tarefa difícil mas devo ter pouco me lixado pros seus quadros também porque os atirei em um rio - achei que ficava mais realista um quadro com um barco ancorado fluindo nas águas de um rio sujo; livre de novo. Fui ao circo algumas vezes, numa delas vomitei num cara da frente. Tentou me levar pra casa dele, chutei seu saco, vomitei em seu tapete também. Apesar do meu rosto acabado e cabelo desgrenhado, me impressionava os velhos nojentos da cidade ainda tentarem ganhar uma transa. Não preciso mencionar os cigarros, maior quantia na qual gastei meu dinheiro, fiquei dura. Que bom, meu vício foi embora junto com o dinheiro. O último cigarro que fumei, agora ameaço lacrimejar - só não sei se de emoção ou se por causa do vento empoeirado e frio da tarde - eu sugava toda a vida anterior a essa nova rotina de rua, ela chegava aos meus pulmões e depois saía de forma tão liberal e fumacenta pela minha boca... suguei meu carro, a casa, a estante de livros da qual um dia me orgulhei. Numa das puxadas, pensei sugar meu diploma - não valia a pena. Suguei meus antigos namorados, como que por último ato de luxúria, soltei mais fumaça do que em todas as vezes que já tinha soltado com um maço, agora era um cigarro. Uma nova vida, cuspi. Depois tossi. Engasguei. Os vícios não são tão importantes quando você só tem duas notas de cinco no bolso para gastar. Porque vai ter que usar esse dinheiro para algo realmente satisfatório no período de 24 horas. Se pensam que só gasto com comida, estão enganados. Outro dia comi o pão que jogaram aos pombos... assim pude comprar estalinhos, palavras-cruzadas e um bumerangue. Os estalinhos eu dei prum garotinho preto de nove anos que encontro numa praça toda quinta. Ele nunca foi em festa junina, a palavra-cruzada dei pruma velha rabugenta que faz palavras-cruzadas na mesma praça. O bumerangue é meu. É o objeto importante do dia, vou usar hoje à noite antes de dormir. Vou jogar e, no mesmo instante, vou correr na direção oposta. Mas vou correr rápido, pra eu não mudar de idéia e considerar ficar com ele. Ele vai ficar perdido, tem que ficar perdido. Se não quiser que te achem, é melhor não achar nada. Sou uma perdida na vida.

Priscilla Acioly, 02/07/2011

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Her and... her.


- Do not touch my arm while we're talking.
She was behaving strange again.
- Why not?
She kept quiet.
- I hate when you do that, Kath.
- I asked you a simple request.
- Can I know why every time we see each other you've been acting like a fool?
- No.
- Fine.


Silence.


- Because when you touch me, any how, I get back to those feelings that I can't help.
- I'm sorry, Kath. I don't know why you put things so hard to me. We used to be perfect together. As friends.  
- I agree.
- I wish things could be fixed. I wish we could return eight months ago, when you'd look at me and laugh and have a good time. When we could talk for hours about everything, when you'd ask me about sex without any embarassing. When you'd act just like my best girl and friend. When you would even be happy by meeting my girlfriend. Don't get me wrong, I do like you, and maybe I actually love you but...
- But you can't stay with me when you know that she lives in this world. And that she's your girlfriend. I completly understand you.


Unfortunately, she took the words from my mouth. My lovely Kath... could I be punished for not loving her as I loved... her?


- Now go ahead. Go home - she said.
- And I see you again...?
- When you break up with her.
- What if I don't?
- Then, when you marry her. I'll be there for you.

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

O guarda-chuva


Quando inventaram o guarda-chuva, a chuva foi o que menos contou; só para você saber.

Eu sempre digo que guarda-chuvas não servem para livrar as pessoas da chuva. Têm inúmeras utilidades, sim, mas não a de guardar você de uma chuva - tempestade, ou de leve que seja. A mulher, por exemplo, que estava andando com seus tamancos de plataforma e seu sobretudo Tweed. Ela não estava com aquele guarda-chuva em punhos e passos confiantes por uma questão simples de querer fugir de um evento da natureza.

Veja bem, ao levar o objeto sobre si, ela se escondia não da chuva ou do vento. Era uma questão de auto-estima - ou a falta (e a recuperação) da mesma. Com o guarda-chuva à frente do rosto ninguém saberia que ela escondia a identidade de uma profissional fracassada, esposa traída ou, sei lá qual talvez fosse seu problema - ainda que eu tenha a certeza de que o problema existe. Portanto, tudo o que ela precisava era seguir a reta, muito bem armada. O guarda-chuva não a livrava da chuva... ah, não. Era muito mais que isso.

E quando cada louco - no mais puro sentido do vocábulo louco - se apega ao seu último recurso, - o mendigo e seu cão piolhento, o senhor com a sua bengala, a menina histérica ao celular, o jovem e seu relógio de pulso rolex - enquanto isso, os pingos de chuva não perdoavam a meia-calça daquela mulher. Qual o sentido, afinal, de tentar cobrir a cabeça? Uma das partes sempre fica de fora. E, mesmo assim, continuava a mulher e o seu guarda-chuva. Suas canelas eram a única prova de que guarda-chuvas são uma farsa.



Priscilla Acioly, escrito em 12/08/2010

quinta-feira, 13 de maio de 2010

Quem passa e não vê



Este blog começa assim. Sem voz, sem estardalhaço. A primeira estória que conto, não é mentira, nem verdade.

A menina andava pela rua distraída e sonolenta.
Ela olha para um pedaço de papel sujo no chão e pisa em cima dele, seguindo caminho em frente.

O menino andava pela rua bem rápido, parecia fuga.
Carregava algo dentro do bolso - algum pertence alheio, provavelmente.
O pedaço de papel gruda em seu sapato por uns segundos, logo solta e volta ao chão.

A senhora andava pela rua bem devagar, qual uma tartaruga.
Ajeitou os óculos na cara. O papel estava bem ali embaixo do seu nariz.
A senhora deu meia-volta. Esquecera o remédio dos ossos.

O bêbado andava pela rua cambaleante.
Cantarolou qualquer coisa num tom desafinado e feio, deu bom dia a pessoas invisíveis. Continuou o caminho, ignorando o pedaço de papel.

A mulher andava pela rua aflita, olhando apenas para os céus desejando a providência divina. Tão agustiada estava que enfiou o pé na poça e, antes que pudesse prosseguir, atravessou a rua, mudou de calçada... e o papel estava lá.

Um gato sem dono andava pela rua atento e faminto. Avistou algo azul, era um peixe. E foi ali que o gato sagaz matou sua fome.
Comeu uma nota de cem.


Priscilla Acioly, escrito em 13/05/2010